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Publicado em: 04/12/2014 às 16:50

Com apoio da Fapesb, projeto de Turismo de Base Comunitária oferece novas experiências para visitantes

Por: Ascom/Fapesb

Um roteiro turístico normalmente inclui os pontos mais famosos da cidade. Monumentos, museus, parques, praias estão sempre presentes na lista dos locais mais visitados. Mas muitas pessoas escolhem fazer um turismo diferenciado, passando por experiências locais que vão além dos pontos mais famosos. Nestes roteiros mais diversificados, as próprias comunidades, de forma integrada e coletiva, oferecem saberes e fazeres, por meio dos quais visitantes e turistas conhecem de perto o seu estilo de vida e têm oportunidade de conviver com os moradores, conhecendo a cultura local e regional. É o chamado Turismo de Base Comunitária – TBC.

A professora Francisca de Paula, da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, vem desenvolvendo, há cinco anos, diversos projetos no entorno da Universidade, que incluem a organização de roteiros turísticos alternativos, responsáveis, sustentáveis e solidários – RTUARSS nos bairros do entorno da UNEB, no Cabula. O trabalho de pesquisa, extensão e ensino é voltado para a valorização cultural das comunidades, focado na educação e no desenvolvimento local com protagonismo social e comunitário. No início, Francisca observou que faltava mais diálogo entre a comunidade acadêmica da UNEB e os moradores do Cabula. Outro aspecto observado era que os pesquisadores e seus departamentos não dialogavam entre si. Foi então que ela começou um trabalho de articulação entre alunos, professores, pesquisadores e moradores. De um lado, buscou promover a comunicação entre os pesquisadores de diferentes departamentos da UNEB, para que, juntos, pudessem desenvolver ações com a comunidade. Do outro, ela buscou reunir a população local para identificar os líderes comunitários e convidar as pessoas para dialogarem e participarem das múltiplas atividades oferecidas pelo projeto TBC Cabula. “Fomos descobrindo que, por vezes, havia líderes que estavam ali sob a égide de interesses políticos”, diz. “Passamos a perceber que algo errado existia quando, nas reuniões, só vinham praticamente as mesmas pessoas, e nós queríamos dialogar com a comunidade, independente de estar vinculada a partido ou não.”

O que Francisca queria era identificar os talentos, artistas, crianças, jovens e adultos e, sobretudo, grupos culturais, além de conhecer os arranjos socioprodutivos locais: “Não se fala de turismo de base comunitária sem efetivamente falar de cultura. Então, quando eu me refiro ao turismo de base comunitária, essencialmente estou me referindo à cultura daquela localidade”, explica. A partir do primeiro apoio da Fapesb, por meio do edital 021/2010 de Apoio à Articulação Pesquisa e Extensão, a equipe do TBC Cabula passou a desenvolver diversos projetos em parceria com instituições de ensino superior, escolas e centros de educação profissional, culminando em um amplo projeto guarda-chuva multidisciplinar. O projeto engloba ações nas áreas de saúde coletiva, educação, tecnologias educativas, meio ambiente, ecologia social, história, economia solidária, patrimônios cultural e natural, dentre outros. Existe hoje, por exemplo, uma equipe multidisciplinar da área de saúde coletiva. A equipe do TBC Cabula vem se articulando e desenvolvendo ações com grupos de pesquisas que trabalham com parteiras, parasitologista, médicos, enfermeiros, farmacologistas, que têm seus projetos apoiados por outras fontes de financiamento além da Fapesb. Nas áreas de educação, história e tecnologia, foi feita uma pesquisa historiográfica sobre o antigo Quilombo Cabula, a fim de criar um museu virtual para ser utilizado pelas escolas locais, professores e pesquisadores. Para Francisca de Paula, o desdobramento de ações dentro do projeto inicial o levou à configuração de programa. “O projeto tem uma dinâmica que não tem como a gente frear, segurar, porque ele já está ganhando vida própria, não só por parte dos pesquisadores da universidade mas também pela comunidade do entorno”.

O projeto de Turismo de Base Comunitária foi apresentado à Fapesb inicialmente com uma proposta diferente. A princípio, o projeto visava a criação de uma operadora de receptivos populares, agência de viagem e turismo, comunitária e autogestionária, que fica com a responsabilidade de fazer toda a organização do receptivo de visitantes e turistas naquele local. Mas, conversando com a população local, e observando seu modo de vida, comportamento, estrutura familiar, condições sociais e interesses, percebeu-se que aquele contexto não se encaixava no sistema do turismo convencional. O que eles tinham para oferecer, além de um grande legado histórico-cultural, era algo mais pessoal e plural.

Comumente, os turistas que se interessam pelo turismo de base comunitária não procuram operadoras de viagem. O que eles buscam é uma experiência mais aprofundada, em que possam participar da vida e do cotidiano das pessoas. A equipe do TBC Cabula percebeu que a comunidade do Cabula já recebia alguns visitantes e turistas que não passavam pelas estatísticas dos órgãos oficiais de turismo. Alguns deles, inclusive, acabaram se mudando para a comunidade. Diante disto, com o auxílio de Francisca e a equipe, os moradores do bairro do Cabula se organizaram e passaram a fazer uma experiência com a criação de roteiros alternativos dentro de sua comunidade. O trabalho se estendeu para áreas que alguns moradores reconhecem como antigo Quilombo Cabula, como Pernambués, Beiru/Tancredo Neves, São Gonçalo do Retiro, Saboeiro, Engomadeira, Mata Escura, Arraial do Retiro, Sussuarana, Estrada das Barreiras e outros bairros populares.

Para que as comunidades possam preparar os roteiros, é necessária uma série de oficinas e cursos, tais como História da Bahia, Cooperativismo, Guia, Hospitalidade, Hospedagem Comunitária, Elaboração de Projetos Sociais e outros. “O projeto de Turismo de Base Comunitária valoriza o jeito que eles vivem, que eles são e eles começam a se dar conta de que têm valor. Os turistas não vão chegar, tirar a fotografia e ir embora. Eles vão chegar, conhecer, participar da vida, do cotidiano dessas pessoas”, diz a pesquisadora. Todas as reuniões e rodas de conversas resultaram em quatro ou cinco roteiros por bairro criados pelos próprios moradores. “Eles dialogam entre eles, decidem se aquele espaço vai ser visitado ou não, que melhorias precisam ter, que modelo de gestão vão adotar”, diz Francisca de Paula. Não existem roteiros fixos. Eles são organizados de acordo com a demanda. Os moradores não deixam suas vidas pessoais por conta dos roteiros. Eles trabalham, estudam, cuidam de suas casas e famílias e, quando um grupo de visitantes e turistas entra em contato, eles se reúnem para elaborar o roteiro e conciliar suas rotinas com a recepção dos visitantes. “Uma senhora que vende hortaliças na feira, no dia agendado para o roteiro integrado, vai ficar no bairro e disponibilizar suas hortaliças para os visitantes, assim como o artesão, o senhor que nasceu e cresceu ali, para contar estórias e histórias”, afirma Francisca.

Visitar as casas dos artistas locais, pintores, músicos, poetas e os lugares frequentados pela comunidade como praças, escolas, riachos, horto, fazem parte da programação do roteiro organizado pelos moradores. O turista pode, inclusive, hospedar-se na casa de um morador. Normalmente, o almoço é servido pelos locais, em suas próprias casas, ou em restaurantes do bairro. O visitante tem a oportunidade de conhecer uma outra realidade, de deparar-se com histórias de vida diferentes da sua. Como a de um jovem do interior que veio para Salvador sem ter onde morar. Francisca conta que o rapaz ocupou um espaço no Cabula e construiu a casa com resíduos sólidos. “Parece que ele saiu de uma universidade de engenharia”, diz. A casa, feita de restos de madeira e papelão é impermeabilizada internamente com caixas tipo tetra pak e impressiona os visitantes. “Não queremos fazer turismo para mostrar a pobreza, isso é uma visão equivocada. Queremos oferecer experiências singulares, autênticas, humanizadas, que favoreçam um processo de educação e de conscientização das pessoas”, diz.

Um grupo de visitantes de Itacaré hospedou-se por três dias em Pernambués, na casa da família que criou a rádio comunitária Odeon e o Terno de Reis Rosa Menina. A presença das 26 pessoas de fora mobilizou os moradores. Eles providenciaram colchões, definiram quem iria oferecer alimentação, quem faria o guiamento e definiram os atrativos e atrações a serem apresentadas. Uma senhora ofereceu o café da manhã; a outra, o almoço; um jovem foi esperar o grupo na estação do ferry-boat; os artistas se apresentaram em espaço comunitário. Foi criado, então, um formato específico de roteiro para aqueles turistas, tudo construído em diálogo entre os moradores.

Durante o planejamento desse receptivo, Francisca descobriu um livro, escrito pela filha de D. Luiza e Sr. Silvano Nascimento, sobre a história do Terno de Reis, que acabou sendo publicado com recursos da Fapesb, com assessoria da equipe TBC Cabula. Depois da publicação, a festa passou a ser mais conhecida e o grupo foi convidado a se apresentar na escola Aliomar Baleeiro. Tudo isto, diz Francisca, contribui para a conscientização do legado, da história e construção de conhecimento sobre o antigo Quilombo Cabula.

Uma dificuldade do projeto é manter a regularidade dos participantes dentro das comunidades, pois muitos o abandonam por conta de questões pessoais. Isto também é outra característica do turismo de base comunitária. Francisca explica que, embora os moradores queiram ganhar dinheiro, não é o dinheiro que estabelece as regras: “Eles têm a maior dificuldade de definir preço, pois eles vêm de uma cultura em que todos se reúnem, comem o que tiver, compartilham”. Para ela, este é um aspecto cultural muito humano que não se encaixa no sistema de turismo convencional. “No Horto do Cabula há um senhor que cuida de cães que são abandonados lá. Ele nos recebe, nos acolhe, e a única coisa que ele quer em troca é ração para os animais”, conta.

Outro resultado do primeiro financiamento da Fapesb foi a realização do evento anual chamado Encontro de Turismo de Base Comunitária e Economia Solidária – ETBCES; a Mostra de Cultura e Produção Associada ao Turismo e à Economia Solidária – MCPATES; e a Feira de Meio Ambiente e Saúde – FMAS. No segundo ano do evento, em 2012, artesãos, músicos, grafiteiros e outros artistas, que estavam expondo seus trabalhos, puderam se conhecer, dialogar e trocar experiências. “O evento cumpriu seu papel de ser o lócus de encontro, de diálogo, espaço de proximidade entre aquelas comunidades”, diz Francisca. Nasceu então, de forma espontânea, o grupo Cultarte. Trata-se de um grupo organizado por um coletivo de artesãos e artistas, que vem sendo assessorado pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP/COAPPES da UNEB.

Entre os dias 12 e 16 de novembro, houve mais uma edição do ETBCES, que também contou com o apoio da Fapesb. O Encontro foi realizado no Colégio Estadual Ministro Aliomar Baleeiro, parceiro do TBC Cabula. Nos dias 15 e 16 aconteceram as visitas às comunidades. As informações podem ser encontradas no Portal www.tbc.uneb.br, que foi criado para as comunidades dos bairros do Cabula e entorno e é atualizado pelos moradores com assessoria da equipe TBC. Neste portal, eles postam o que tem de valioso no seu bairro, o que é histórico, cultural e significativo para suas vidas. Lá também está disponível a Cartilha (in)formativa “ABC do TBC”.

Ainda com apoio da Fapesb, a equipe TBC Cabula publicou o livro “Turismo de Base Comunitária e Cooperativismo: articulando pesquisa, ensino e extensão no Cabula e entorno”. O recurso arrecadado com as vendas deste livro vem sendo aplicado em oficinas de graffiti, oferecidas pelo artista Denissena, dentre outras ações formativas.

Por: Lorena Bertino – Ascom/Fapesb

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